Narrativa ficcional por meio da qual se dissemina uma verdade espiritual ou política ou prática, a alegoria atribui valor simbólico a pessoas, coisas, animais ou fatos. Em geral, tem finalidade didática ou moral e permite “ilustrar” o ideário do enunciador.
Em seu “Dicionário de termos literários”, após citar a definição de Quintiliano, para quem a alegoria seria “composta de uma metáfora contínua”, Massaud Moisés (2004, p. 14-15) põe em relevo a articulação entre sentido próprio e sentido figurado, explicando que:
“(…) faz entender outro ou alude a outro, que fala de uma coisa referindo-se a outra, ― uma linguagem que oculta outra, uma história que sugere outra. Empregando imagens, figuras, pessoas, animais, o primeiro discurso concretiza as idéias, qualidades ou entidades abstratas que compõem o outro.
O aspecto material funciona como disfarce, dissimulação, ou revestimento, do aspecto moral, ideal ou ficcional. De onde exibir duplo sentido, “um sentido literal e um sentido espiritual ao mesmo tempo” (Fontanier 1968: 114), equivalendo, o primeiro, ao conteúdo manifesto, e o outro, ao conteúdo latente, segundo os conceitos que Freud elaborou para interpretar o significado dos sonhos. O acordo entre o plano concreto e o abstrato processa-se minúcia a minúcia, e não em sua totalidade”.
Uma vez que somente mediante raciocínio analógico é possível representar como personagem uma ideia abstrata, a prosopopeia (personificação) é a figura indispensável a essa categoria de testemunho artístico, que pode construir-se tanto com linguagem verbal quanto com linguagem não verbal. Em literatura, fábula, apólogo e parábola são os principais gêneros textuais alegóricos. Nas artes plásticas e pictóricas, existem esculturas e pinturas de célebres alegorias, com destaque para a justiça, a paz e a prudência.
A título de exemplo, menciona-se fragmento de “A república”, de Platão, popularmente conhecido como “Alegoria da caverna”.
“Sócrates: Agora imagine a nossa natureza, segundo o grau de educação que ela recebeu ou não, de acordo com o quadro que vou fazer. Imagine, pois, homens que vivem em uma morada subterrânea em forma de caverna. A entrada se abre para a luz em toda a largura da fachada. Os homens estão no interior desde a infância, acorrentados pelas pernas e pelo pescoço, de modo que não podem mudar de lugar nem voltar a cabeça para ver algo que não esteja diante deles. A luz lhes vem de um fogo que queima por trás deles, ao longe, no alto. Entre os prisioneiros e o fogo, há um caminho que sobe. Imagine que esse caminho é cortado por um pequeno muro, semelhante ao tapume que os exibidores de marionetes dispõem entre eles e o público, acima do qual manobram as marionetes e apresentam o espetáculo.
Glauco: Entendo.
Sócrates: Então, ao longo desse pequeno muro, imagine homens que carregam todo o tipo de objetos fabricados, ultrapassando a altura do muro; estátuas de homens, figuras de animais, de pedra, madeira ou qualquer outro material. Provavelmente, entre os carregadores que desfilam ao longo do muro, alguns falam, outros se calam.”
(Disponível em: http://www.usp.br/nce/wcp/arq/textos/203.pdf. Acesso em: 27 jun. 2023.)
Na Antiguidade clássica, os mitos construíram-se como alegorias, uma vez diversos deuses personificavam sentimentos e habilidades, ao passo que as musas representavam os talentos artísticos. A partir da Idade Média, as virtudes, as artes liberais e as áreas de conhecimentos passaram a ser também representadas alegoricamente, em geral por mulheres que portavam específicos instrumentos.
A etimologia aponta a origem grega de “alegoria”, com significado de “descrição de uma coisa pela imagem de outra”. Na estrutura dessa palavra, distinguem-se dois radicais: “allos” (outro) e “agoreuein” (falar publicamente). Infere-se existir conexão com a palavra “ágora”, lugar onde a atividade de falar em público realizava-se plenamente na Grécia Antiga.
Nessa perspectiva, a adoção da alegoria como estratégia retórica para o discurso público justifica-se pelo fato de sua estrutura narrativa favorecer a abordagem de temas abstratos e complexos por meio de comparações acessíveis ao interlocutor, independentemente de sua posição social ou de seus conhecimentos técnicos sobre o tema. Além de promover beleza e revelar erudição, essa estratégia permite evocar a realidade da audiência e fomentar seu imaginário.
REFERÊNCIA
HOUAISS. Enciclopédia e dicionário Koogan Houaiss. São Paulo. Delta, 2009. [software/mídia eletrônica]
MOISÉS, Massaud. Dicionário de termos literários. São Paulo: Cultrix, 2004.
SACCONI, Luiz Antônio. Grande dicionário Sacconi da língua portuguesa: comentado, crítico e enciclopédico. São Paulo: Nova Geração, 2010.
TAVARES, Hênio Último da Cunha. Teoria Literária. Belo Horizonte: 5. ed. Revista e atualizada. Belo Horizonte: Itatiaia, 1974.