Ignorância, ingenuidade e hipocrisia no debate público sobre Jacarezinho

A morte de um ser humano é sempre lamentável, especialmente quando ocorre em situação violenta. Portanto, de certa forma é previsível que cause comoção o fato de uma operação policial resultar em 28 mortes. Nesse contexto, o comentário é geral e todas as pessoas acabam emitindo opinião  ato legítimo, independentemente do grau de proximidade com os envolvidos. Porém, espanta que jornalistas experientes, autoproclamados especialistas em segurança pública e autoridades proclamem idéias desconectadas da experiência ordinária e da lógica. 
Emprestar a denominação de “moradores” e “jovens” a pessoas que portavam fuzil e dispuseram-se a repelir a Polícia pode ser ignorância, ingenuidade ou hipocrisia, a depender de que o faz. Para remediar tais afastamentos da realidade, é proveitoso assistir à entrevista concedida por Rogério Greco a Max Cardoso, no Boletim da Noite do Terça Livre TV, em 7 de maio, um dia após a operação.

Rogério Grego é Procurador de Justiça aposentado, professor e escritor, com longa experiência em segurança pública. Ele não tem apenas conhecimentos teóricos e acadêmicos a respeito do combate à criminalidade, mas também vivência prática de enfrentamento a criminosos, haja vista que participou de treinamentos do Bope e, hoje, atua como Secretário de Segurança Pública do Estado de Minas Gerais. Entenda-se literalmente o emprego do verbo “atuar” na frase anterior, pois Dr. Grego participa efetivamente de incursões das forças policiais que coordena!
Secretário de Segurança Pública de Minas Gerais, Rogério Greco (à esquerda) acompanha a Megaoperação Caminhos de Minas.

Na entrevista concedida ao Terça Livre TV, Dr. Grego critica o desconhecimento de jornalistas e de supostos especialistas acerca das circunstâncias de uma operação policial, ressaltando ser gravíssimo o fato de os planos da Operação Exceptis terem sido encontrados em poder de criminosos, pois isso pôs em risco a vida dos policiais. 
Segundo Greco, a situação do Rio de Janeiro é sui generis, não havendo o mesmo grau de criminalidade ostensiva em outras cidades ou regiões do País. Distantes dessa realidade, as pessoas tendem a ignorar que os moradores de favelas vivem à mercê de narcotraficantes e milicianos que controlam todos os aspectos de suas vidas. Os criminosos monopolizam serviços, impõem toque de recolher, disseminam o consumo de drogas, promovem estupros e até proíbem visita de moradores de favelas controladas por facções concorrentes. Diz procurador aposentado:

Hoje no Rio são mais de mil comunidades, no Rio são mais — assim um dado aproximado —, são mais de sessenta mil traficantes de drogas. Hoje no Rio tem um sem-número de facções criminosas; hoje no Rio tem as milícias; no Rio tem o jogo do bicho… Sabe, tudo, tudo o que acontece de errado acontece no Rio.

Nesse contexto, a população ordeira quer a presença do Estado social e da Polícia, pois é sua única chance de libertação. Medidas restritivas da ação policial, como as determinadas por Edson Fachin em liminar e ratificadas pelos demais ministros do STF, não são producentes para combater a criminalidade e os criminosos. Ao contrário, sem o trabalho da Polícia, o crime organizado tende a expandir seu raio de atuação e seu domínio sobre os moradores das favelas.
Dr Grego repudia a ideia de que o narcotráfico seja decorrente da pobreza ou da busca de liberdade. Para ele, também é falacioso a afirmação de que existe ética entre criminosos. Em sua visão, hoje existe uma cultura do tráfico, segundo a qual o status das pessoas se dá pelo porte de fuzil e a cesso a entorpecentes.
O PCC já deixou de ser considerado uma facção criminosa. Hoje o PCC ele já goza internacionalmente do status de cartel. O cartel é aquele que vai desde o plantio, né, da droga até a venda ao consumidor final. Então, a gente já está nesse nível, sabe? Já tem uma facção considerada a segunda maior facção criminosa, né, da América Latina, que é o PCC; Comando Vermelho está em sexto lugar. Então, a gente fica vendo as pessoas falando de consumo, né? Ah, vamos liberar a droga — como você vè um monte de maconheiro falando aí. Assim: os camaradas não entendem efetivamente o que que isso está causando, não entendem realmente o problema que está trazendo à comunidade. Então acha bacaninha, superlegal, você vê artistas lá na, na, na subida do morro, né? fazendo seu papelzinho ali, fumando seu baseado… Pra eles está tudo bem, mas não sabe o custo que é, o custo de sangue que significa isso.
Greco conclui:
Hoje existe uma cultura do tráfico. É isso que as pessoas, que as pessoas têm que entender. Ninguém está ali porque, ah…, eu não tenho trabalho para ele, sabe? O Estado não dá trabalho… não, irmão! Essa coisa mudou. Então, (…) o camarada curte efetivamente ser traficante. 
Diante da magnitude do problema e dos desafios para enfrentá-lo, Grego preocupa-se com a valorização das forças de segurança e a motivação dos policiais, cujo trabalho é imprescindível.
Então, assim, cara, a gente tem que acordar para a realidade, sabe? Existe uma violência acontecendo, a polícia está cumprindo seu papel, que é um papel dificílimo, dificílimo! Poucas pessoas têm condição de atuar na atividade policial… Uma vez eu estava no Senado, Max, e… estava lá discutindo o Pacote Anticrime, né? E aí, um senador lá resolveu me, me, me fazer uma pergunta meio ridícula, né? Pra variar os caras não entendem muito daquilo que estão falando, mas querem te perguntar de qualquer jeito, né? E aí, tinha um artigo lá no Pacote Anticrime que, na época, ia, ia… ter uma causa de diminuição de pena ou isentar pena, se fosse uma situação em que o… em que aquele que agisse numa situação de segurança pública, agisse com medo… uma série de situações que envolvessem assim, né, o pavor — vamos dizer dessa forma —  e aí, o… senador chega pra mim e fala assim: “olha, não se vocês criarem” —  nem fui eu quem criei, não. Na época deve tinha sido até o Moro — aí falou assim: “não, mas se vocês criaram esse artigo querendo beneficiar a polícia, a polícia mesmo é que não vai ser beneficiada, porque o policial, ele não pode ter medo”. Aí eu falei: “senador, me ajuda, né? O medo faz parte da atividade policial. Ninguém quer operar com um camarada que não tenha medo, mas o policial vai agir ainda [que] com medo. Porque ele não é covarde!” Então, assim: poucas pessoas entendem o que é a atividade policial. O policial não pode ser covarde, o medo é natural da atividade policial, mas a covardia não. Então, assim: e a gente vai vendo esses policiais sendo o tempo inteiro massacrados, o tempo inteiro pisados, e, cara, haja paciência pra isso. E ver esses políticos todos se organizando para cada vez mais estar oprimindo a polícia. Irmão, me ajuda! Aqueles que querem oprimir a polícia, que abram mão de suas seguranças pessoais, né! 
Ao longo da entrevista, chama a atenção positivamente a linguagem coloquial e espontânea de Grego. São palavras simples e diretas, sem ostentação, juridiquês ou subterfúgios retóricos. Ele apresenta seus pontos de vista de maneira clara, com conhecimento de causa; por isso é tão proveitosa essa entrevista que aponta ignorâncias, ingenuidades e hipocrisias no debate público sobre a operação realizada em Jacarezinho. Em vez de críticas, a Polícia Civil merece receber elogios, dado que apenas criminosos foram neutralizados, não tendo havido morte de civis inocentes, moradores já tão castigados pela criminalidade que grassa na favela devido à omissão dos políticos e à atuação ideológica de autoridades do Poder Judiciário.

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  Notas                                                                                                          
No YouTube, assista apenas à entrevista, em corte feito do Boletim. 
Leia a resenha do livro “Retomada do complexo do Alemão“, de autoria de Rogério Greco, André Monteiro e Eduardo, publicada neste blog.