Jacarezinho e o cordeiro

A primeira semana de maio de 2021 foi inscrita com sangue no calendário brasileiro, devido a dois episódios nefastos: a chacina ocorrida em Saudades (SC) e a operação policial na favela de Jacarezinho (Rio de Janeiro, RJ). Em ambos, houve violência e morte. Entretanto, o contraste entre as duas situações é abissal: no primeiro caso, um homem adulto matou cinco vítimas indefesas, mulheres e bebês; no segundo, agentes da lei, devidamente identificados e em cumprimento de suas atribuições, realizaram operação de combate a criminosos que, em vez de se renderem, decidiram conscientemente afrontar o Estado.

E não obstante a evidente discrepância moral e material entre os episódios, verificou-se repercussão desproporcional (senão inversa) dos fatos na imprensa, no Judiciário e até no coração das pessoas.

Na quarta-feira, dia 4 de maio, Fabiano Kipper Mai, 18 anos, invadiu a Escola Pró-Infância Aquarela, onde chacinou duas mulheres adultas e três crianças, com golpes de facão, deixando uma quarta criança gravemente ferida. O espectro do noticiário sobre esse acontecimento oscilou do comportamento arredio do assassino — referido geralmente como “jovem” — ao sofrimento das famílias das vítimas durante os enterros, apenas tangenciando o perfil das professoras. Dois dias depois, o noticiário já vertia para a recuperação do quarto bebê atacado e para a intenção do prefeito de reformar a escola. Inicialmente tingido de cinza, o acontecimento infame assumiu um tom bege, discreto. Rapidamente esvaiu-se, apagou-se!

É preocupante o fato de não ter havido comoção nacional nem manifestação do Judiciário exigindo medidas de segurança para professores e crianças inocentes. Afinal, não é a primeira vez que ocorre esse tipo de violência gratuita [1].

O episódio em Saudades é caracterizado como “tragédia”, ou seja, como um acontecimento ao mesmo tempo lamentável e inevitável, não havendo ênfase à intenção homicida do agente. Quanto à comoção social, diz-se que a cidade ficou “transtornada”— não houve protestos nem grandes comoções.  

Em contrate, a Operação Exceptis [2], realizada na favela do Jacarezinho em 6 de maio, foi delineada com tintas fortes nas páginas e telas jornalísticas. Quase à unanimidade, a “grande imprensa” classificou-a como “a mais letal da história fluminense”. Protagonizadas por moradores e associações, cenas de lamento e de protesto foram mostradas à exaustão, sempre contrastadas com imagens de policiais portando armamento nas vielas.
A cúpula do Judiciário manifestou-se de imediato na pessoa do Ministro Edson Fachin (o Carmen Miranda do Paraná), que, em 7 de maio, oficiou à Procuradoria Geral da República (PGR) e à Procuradoria Geral de Justiça do Rio de Janeiro (PGJ-RJ), aventando, desde logo, a possibilidade de ocorrência de “execução arbitrária” [3].
Fazendo coro a Fachin, o Observatório dos Direitos Humanos do Poder Judiciário, vinculado ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), divulgou nota em que prestou solidariedade às famílias e pediu apuração “ampla e célere” sobre as mortes no Jacarezinho, nos seguintes termos [4]:
“Consideramos que a perda dessas vidas deve ser apurada de maneira ampla e célere, para se assegurar uma efetiva garantia dos direitos fundamentais da inviolabilidade à vida, à liberdade e à segurança”.


O Alto Comissariado para Direitos Humanos da ONU publicou nota sinalizando profunda perturbação diante da “execução sumária” de moradores da favela.


O elemento agentivo é ressaltado nas manchetes: de um lado os “manifestantes” e de outro “os policiais”, a quem é atribuída a intenção de matar. Neste caso, não ocorreu uma tragédia, mas atos deliberados de violência.


O reboliço midiático e institucional parece ter afetado a sensibilidade do brasileiro comum que não demonstrou indignação pelo assassinato de crianças. Da mídia e de autoridades declaradamente abortistas, não se poderia esperar que valorizassem mais a vida de bebês inocentes do que a de marginais adultos! Mas… e quanto ao cidadão, ao populacho cristão cujos valores sustentam o Brasil e a brasilidade?
Não deve ser difícil notar que a ação deliberada de um agressor (louco ou psicopata) não se compara à incursão da Polícia Civil no morro do Jacarezinho, que foi ato planejado pela corporação e visava combater a criminalidade (inclusive o aliciamento de menores) com as ações efetivas que a ela cabem: investigação, captura de criminosos e sua apresentação às autoridades judiciárias. Ao fugir e revidar, os bandidos assumiram o risco de enfrentar o braço armado do Estado. Como poderiam os bebês fugir a Fabiano Kipper ou revidar sua injusta agressão?
O resultado da operação policial foi a morte de 28 pessoas, sendo uma delas policial. Por mais lamentável que seja o fato em abstrato, não se pode negar que a Polícia cumpria sua missão de proteger a sociedade, retirando criminosos de circulação. Só ocorreu tiroteio porque os bandidos estavam armados — aliás, fortemente armados!
Salientar o episódio de Jacarezinho em detrimento da chacina em Saudades é infâmia! É dar razão ao lobo que devora o cordeiro sob a alegação de que ele turvou sua água. Tal injustiça pode escapar à mídia e às instituições coniventes com o crime organizado por interesse financeiro ou ideológico, mas não deveria ser tão facilmente admitida pelas pessoas comuns, cujos filhos estão à mercê dos criminosos profissionais do modo semelhante ao que os bebês de Saudades estiveram ao talante de Fabiano Kipper.
O domingo das mães foi igualmente perturbado pelo adeus às vítimas de Saudades e aos mortos de Jacarezinho. Respeita-se a dor delas, independentemente da culpa de seus filhos. Porém, não se esqueça de quem são os verdadeiros inocentes.
Agentes de mídia e autoridades que defendem (e acobertam) bandidos têm suas mãos manchadas de sangue, pois imolam inocentes no altar da hipocrisia. E ninguém tem as mãos mais sujas do que Edson Fachin, o irresponsável ministro que blindou o narcotráfico carioca ao dificultar operações policiais, criando protocolos absurdos para ações de segurança pública [5]. Ele é algoz dos brasileiros que morrem, dia após dia, vítimas da criminalidade!

Trecho da decisão liminar canalha proferida por Edson Fachin. Não há erro de transcrição, simplesmente não faz sentido!

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  Notas                                                                                                          
[1]  Em 05.10.2017, Professora Heley de Abreu Silva Batista, dez crianças e duas funcionárias da Creche Gente Inocente morreram devido a queimaduras provocadas por Damião Soares dos Santos, que tentou incendiar o estabelecimento de ensino, em Janaúba (MG).

[2] A ação foi coordenada pela Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA), com apoio de outras unidades do Departamento Geral de Polícia Especializada (DGPE), do Departamento Geral de Polícia da Capital (DGPC) e da Coordenadoria de Recursos Especiais (CORE).

[3] Leia a nota na íntegra.

[4] Leia também “Jacarezinho: Representantes da sociedade no Observatório de Direitos Humanos pedem justiça“, notícia publicada na página do Observatório, em 10 de maio.

[5] Ministro Edson Fachin concedeu, em 05.06.2020, liminar para suspensão de operações policiais nas comunidades do Rio de Janeiro enquanto perdurar a pandemia da Covid-19. O pedido foi feito pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), autor da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635. Aturaram como amici curiae a Defensoria Pública do Estado, pelas entidades Educação e Cidadania de Afrodescendentes Carentes (Educafro), Justiça Global, Associação Direito Humanos em Rede (Conectas Direitos Humanos), Associação Redes de Desenvolvimento da Maré, Instituto de Estudos da Religião (ISER) e Movimento Negro Unificado (MNU), pedindo tutela incidental em 26 de maio, “em razão do agravamento do cenário fático de letalidade da ação policial no Estado do Rio de Janeiro, em pleno quadro da pandemia da COVID-19”. Fachin determinou, entre outras coisas, a restrição do uso de helicópteros em operações policiais e regras para operações em localidades próximas a escolas, creches, hospitais ou postos de saúde. Em 04/08/2020, em julgamento virtual, o plenário do SSTF confirmou a decisão de Fachin por 9 votos a 2.