Analfabetismo ou canalhice


Hoje é o caso de perguntas aos ministros do STF se o artigo 13 da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB) é constitucional. Ei-lo:

Art. 13. A língua portuguesa é o idioma oficial da República Federativa do Brasil. 


A pergunta é necessária, porque, no âmbito do julgamento virtual sobre a possibilidade de reeleição dos presidentes da Câmara e do Senado, 4 (quatro) ministros apresentaram votos com entendimento favorável.


Não obstante suas laudatórias manifestações, é fato que o § 4° do artigo 57 da CRFB, que normatiza a eleição dos presidentes das casas do Congresso Nacional, proíbe a reeleição. Confira-se:

Art. 57. O Congresso Nacional reunir-se-á, anualmente, na Capital Federal, de 2 de fevereiro a 17 de julho e de 1º de agosto a 22 de dezembro.  (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 50, de 2006)
(…)
§ 4º Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de 2 (dois) anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subseqüente. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 50, de 2006)

Está explícito no texto constitucional que é VEDADA recondução para o mesmo cargo na eleição “imediatamente subsequente”. Nessa perspectiva, é desnecessário qualquer esforço interpretativo, bastando uma leitura literal do enunciado.


Caso desconhecessem o significado do adjetivo “vedado”, bastaria aos ministros consultar o dicionário, onde encontrariam a seguinte informação:


vedado adj. (sXIII) 1  com abertura ou emenda bem cerrada, obstruída; tapado <garrafa bem v.>  2  com acesso interditado; em que não se pode entrar ou passar <praia v. aos cães> <esta rua está v. a caminhões>  3  fig. não permitido; proibido, interdito <o cigarro é v. no hospital>  ■ etim part. de vedar  sin/var ver antonímia de permitido  ant ver sinonímia de permitido

Se VEDADO significa PROIBIDO, conclui-se que o artigo 57, §4°, da CRFB explicitamente impede a reeleição de Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre para a presidência das casas, uma vez que eles atuaram nesse carro ao longo do biênio 2018-2020. A situação de Rodrigo Maia é ainda mais gritante, pois ele foi presidente da Câmara dos Deputados também no biênio 2016-218.


É preciso descobrir qual é a razão de esses quatro ministros terem interpretado o texto constitucional em sentido contrário ao que dele literal e claramente consta. Seria falta de habilidades de leitura (uma espécie de analfabetismo funcional) ou estariam agindo com má-fé (canalhice pura)?


Convém lembrar que, para investidura no cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal, a Constituição brasileira exige apenas “notório saber jurídico” e “reputação ilibada” (vide art. 101) — o que não é grande exigência para uma pessoa que passará o resto da vida gozando de garantias, altos salários, prestígio e lagostas. Para os ministros que, uma vez escolhidos, mostram-se incapazes de demonstrar tais requisitos, resta apenas a Lei n. 1.079, na qual estão definidos os crimes de responsabilidade. Merecem destaque os seguinte artigos:

Art. 41. É permitido a todo cidadão denunciar perante o Senado Federal, os Ministros do Supremo Tribunal Federal e o Procurador Geral da República, pelos crimes de responsabilidade que cometerem (artigos 39 e 40).

(…)

Art. 68. O julgamento será feito, em votação nominal pêlos senadores desimpedidos que responderão “sim” ou “não” à seguinte pergunta enunciada pelo Presidente: “Cometeu o acusado F. o crime que lhe é imputado e deve ser condenado à perda do seu cargo?”

(…)

Art. 69. De acordo com a decisão do Senado, o Presidente lavrará nos autos, a sentença que será assinada por ele e pêlos senadores, que tiverem tomado parte no julgamento, e transcrita na ata.

Art. 70. No caso de condenação, fica o acusado desde logo destituído do seu cargo. Se a sentença for absolutória, produzirá a imediata reabilitação do acusado, que voltará ao exercício do cargo, com direito à parte dos vencimentos de que tenha sido privado.


Para o bem de todos e felicidade geral da nação, urge que os ministros tomem vergonha na cara! Eles não podem alegar desconhecer a Constituição, mas, para aliviarem a barra, ainda dá tempo de matricularem-se em um curso de língua portuguesa.