Protestar não ofende


Volta e meia, os ditos movimentos sociais tomam as ruas para “protestar contra”  nem sempre importa o quê. Para citar alguns exemplos, em 2014, foi contra o aumento do preço das passagens de ônibus; em 2018 foi contra a prisão do ex-presidente Lula; em 2020 foi contra o racismo no Carrefour. Os protestos promovidos pela esquerda revolucionária têm em comum a desordem, a violência e a quebradeira. 

São muito diferentes das manifestações de apoio ao Presidente Bolsonaro e à reforma da previdência, por exemplo. Nesses casos, as pessoas foram às ruas vestidas de verde-amarelo, levando crianças, cachorros e cartazes confeccionados a mão. E mesmo assim, sua atitude foi classificada como “antidemocrática”.

Semanticamente, “protesto” e “manifestação” são termos que se distinguem pela relação de contrariedade ou apoio dos agentes quanto ao tema desencadeador do evento. Subentende-se que os participantes de protestos  apresentem queixas e que os manifestantes tendam a dar suporte a alguma proposta ou ideia, mesmo sem que haja unidade de desígnios. Na prática, porém, o problema não é a nomenclatura, mas a disposição (violenta ou pacífica) das pessoas envolvidas, sendo possível haver tanto protestos pacíficos quanto manifestações violentas. Nesse contexto não faz sentido que os eventos organizados pela esquerda revolucionária, nos quais sempre há quebradeira, depredação e violência, sejam noticiados como mero exercício de liberdade de expressão.

É comum o enfrentamento entre a Polícia e os “movimentos sociais”, que teimam em queimar pneus, provocar quebradeira e disseminar violência. 


Na esteira dessa inversão de realidades, valores e percepções (dissonância cognitiva nas palavras do professor e filósofo Olavo de Carvalho), os ministros do STF (em atos e omissões), especialmente Alexandre de Morais, proclamam a identidade entre “protestar” e “ofender”. Essa é a razão de a ativista Sara Winter e o jornalista Oswaldo Eustáquio terem sido presos e receberem tornozeleira eletrônica, sem que contra eles houvesse uma ação formalizada. É o inquérito do fim do mundo! No dia 27 de novembro, Antônio Carlos Bronzeri, de 64 anos, e Jurandir Pereira Alencar, 58 anos, tiveram nova prisão preventiva decretada em razão do cometimento dos crimes de injúria, difamação e ameaça. Após participarem de protesto contra a atuação dos ministros do STF, eles ficaram presos por 49 dias. Em 5 de julho, houve a reversão da medida para prisão domiciliar. Porém, a juíza federal Barbara de Lima Iseppi, da 4ª Vara Federal Criminal de São Paulo, revogou essa decisão após os réus não serem localizados em seus respectivos endereços, conforme notícia publicada no site do Renova Mídia.

Para demonstrar a irrazoabilidade da medida, basta ler, no Código Penal, os artigos referentes a esses crimes, verificando sua caracterização e as penas cominadas. 

Injúria

Art. 140 – Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:

Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.

§ 1º – O juiz pode deixar de aplicar a pena:

I – quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria;

II – no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria.

§ 2º – Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se considerem aviltantes:

Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência.

§ 3o Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência: (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003)

Pena – reclusão de um a três anos e multa. (Incluído pela Lei nº 9.459, de 1997)


Difamação

Art. 139 – Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:

Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.

Exceção da verdade

Parágrafo único – A exceção da verdade somente se admite se o ofendido é funcionário público e a ofensa é relativa ao exercício de suas funções.

Ameaça
Art. 147 – Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave:
Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.
Parágrafo único – Somente se procede mediante representação.

A pena de detenção para os crimes mencionados não excede 1 ano. Portanto, dado seu pequeno potencial ofensivo, é de praxe que, não havendo reincidência, sejam aplicadas penas alternativas, em vez de medidas privativas de liberdade. No caso, antes de qualquer procedimento judicial formal, os manifestantes foram presos, o que é absurdo!


Constata-se que as medidas tomadas supostamente em defesa dos ministros do STF são desproporcionais e, por isso, violam o direito à livre manifestação consagrado no artigo 5° da Constituição da República Federativa do Brasil, além de caracterizar abuso de autoridade. Uma leitura perfunctória dos seguintes artigos seria suficiente para encerrar a discussão legal e liberar os manifestantes que, como grande parte da população brasileira, sentem-se insatisfeitos com a atuação dos ministros: 

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(…)

XLI – a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais;

(…)

LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

(…)

LXVI – ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança;

(…)

LXVIII – conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder;

Pelo exposto, recomenda-se ao Cabeça de Ovo que leia o voto proferido pelo Ministro Alexandre de Moraes no julgamento da Reclamação (RCL) 38201, do qual se destaca o seguinte trecho:

O funcionamento eficaz da democracia representativa exige absoluto
respeito à ampla liberdade de expressão, possibilitando a liberdade de
opinião, de criação artística, a proliferação de informações, a circulação de
ideias; garantindo-se, portanto, os diversos e antagônicos discursos –
moralistas e obscenos, conservadores e progressistas, científicos,
literários, jornalísticos ou humorísticos, pois, no dizer de HEGEL,  é no
espaço público de discussão que a verdade e a falsidade coabitam.

Em seu pronunciamento oral durante o mesmo julgamento, o Ministro foi até mais enfático. 

Quem não quer ser criticado, quem não quer ser satirizado, fique em casa. Não seja candidato, não se ofereça ao público, não se ofereça para exercer cargos políticos. Essa é uma regra que existe desde que o mundo é mundo. Querer evitar isso por meio de uma ilegítima intervenção estatal na liberdade de expressão é absolutamente inconstitucional.
A prisão de jornalistas, ativistas e manifestantes, seguidas de buscas e apreensões, é medida desproporcional até para o caso de terem sido proferidas ofensas aos membros do Poder Judiciário. Protesto não é necessariamente ofensa, sendo mais sensato que a pessoa eventualmente ofendida busque meios legais para restabelecer sua honra ou que adéque suas ações às expectativas morais da sociedade. E quem não for capaz de suportar críticas e sátiras, que fique em casa! Afinal, querer evitar críticas “por meio de ilegítima intervenção estatal na liberdade de expressão é absolutamente inconstitucional”
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  REFERÊNCIAS                                                                                         
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 30 nov. 2020.
LIMA, Henrique. Supremo é o povo: entendendo o inquérito das fake news. Revista Terça Livre. Disponível em: <https://premium.tercalivre.com.br/magazine_articles/view/163>. Acesso em: 01 dez. 2020.

STF. Cassada decisão que suspendeu venda de biografia não autorizada de Suzane Von Richtofen. Disponível em: <https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=433089&ori=1>. Acesso em: 01 dez. 2020.